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sábado, 11 de junho de 2011

A cobertura da corrupção no esporte

Há cerca de duas semanas, graves acusações de desvios de conduta de altos dirigentes de entidade esportivas ganharam amplo destaque a partir da exibição do programa Panorama, produzido pela BBC, rede pública do Reino Unido. De acordo com o programa, Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e integrante do Comitê Executivo da Fédération Internationale de Football Association (Fifa) e outros diretores da federação receberam propina da empresa ISL, que atuava no ramo de marketing esportivo nos anos 1990. As denúncias também envolvem o ex-presidente da Fifa, João Havelange.

No início da década de 2000, quando a ISL foi à falência, a Justiça suíça descobriu o caso. O Panorama afirma que Teixeira e Havelange firmaram um acordo com a Justiça para escapar do processo por meio do pagamento de uma multa e da devolução do dinheiro recebido. Segundo a BBC, a Fifa tentou evitar a divulgação de detalhes do caso e impedir que reportagens sobre o assunto fossem publicadas. Em meio à forte crise institucional, dias antes da mais recente eleição para a presidência da federação, a imprensa denunciou que o Catar teria pago U$$ 20 milhões para sediar a Copa do Mundo que será realizada em 2022.

Mesmo com as denúncias, o atual presidente da Fifa, Joseph Blatter, venceu a eleição com esmagadora maioria. Blatter ocupa o cargo desde 1998. A Fifa não negou as acusações de corrupção, mas prometeu mudanças internas. O assunto ganhou manchetes em todo o mundo e chegou a ser tema de reportagens de cadernos de Economia. No Brasil, o jornal Valor Econômico publicou matéria sobre o assunto com destaque na primeira página, enquanto outros veículos restringiram o fato às páginas de Esportes. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (7/6) pela TV Brasil discutiu o espaço e, sobretudo, a localização dos escândalos no futebol nas páginas dos jornais.

Além do caderno de Esportes

Alberto Dines levou ao estúdio três profissionais de imprensa que têm grande experiência na área de Esportes. No Rio de Janeiro, participaram o presidente do diário esportivo Lance!, Walter de Mattos Jr., e o editor de Esportes do jornal O Globo, Antônio Nascimento. Fundador e editor do Grupo Lance!, Walter de Mattos é economista graduado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e tem cursos de pós-graduação pela London Business School e Insead, na França. Jornalista há 25 anos, Antônio Nascimento é editor de Esportes há quinze. Foi responsável pela cobertura de quatro Copas do Mundo e quatro Jogos Olímpicos. Em São Paulo, participou o jornalista Marcos Augusto Gonçalves. Na Folha de S.Paulo, Marcos Augusto foi editor de Opinião, editor do caderno “Ilustrada” e correspondente em Milão. Cobriu dois Jogos Olímpicos e uma Copa do Mundo pela Folha e foi diretor editorial do diário Lance! e do site Lancenet.

No editorial que abre o programa (ver íntegra abaixo), Dines avaliou que as denúncias de corrupção teriam maior repercussão se não fossem publicadas apenas nas páginas de Esportes: “Com o mesmo destaque, porém nas páginas frequentadas por políticos e empresários, este noticiário já teria incriminado muita gente e os escândalos não se repetiriam com tanta freqüência”. Para Dines, os leitores dos cadernos esportivos preferem as notícias ligadas ao esporte em si e não à política ou às finanças do mundo esportivo.

A blindagem de Teixeira

Na reportagem exibida antes do debate no estúdio, o jornalista Juca Kfouri acusou a Rede Globo de “blindar” Ricardo Teixeira. Segundo o jornalista, a cobertura da TV Globo mostrou a participação dos outros dirigente da Fifa, mas não mencionou as denúncias contra o presidente da CBF e do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo no Brasil. “Acaba tudo indo para o caderno de Esportes porque estamos falando de Copa do Mundo, de Olimpíadas. Mas, certamente, caberia no caderno de Negócios, de Economia. E de Polícia, com muita freqüência”, disse o jornalista. O colunista Clóvis Rossi, da Folha de S.Paulo, disse que todas as editorias deveriam ficar atentas aos escândalos no futebol: “A sombra de suspeição que pesa sobre todas as atividades de Fifa, não só a Copa do Mundo, ficou muito aguçada nestes últimos dias”.Para Otávio Leite, editor-assistente do diário esportivo Marca Brasil-RJ, a mídia fazendo uma boa cobertura sobre os preparativos para a Copa do Mundo de 2014: “A mídia se transformou no verdadeiro órgão fiscalizador do que deveria ser feito e do que não está sendo feito”.

De Londres, o correspondente Silio Boccanera avaliou que a vitória de Joseph Blatter para a presidência da Fifa mostrou que, fora do Reino Unido, as denúncias de corrupção e suborno envolvendo a entidade não tiveram grande repercussão. “Os ingleses ainda estão tentando entender o porquê dessa reação. É bem verdade que o assunto ganhou um destaque maior porque as primeiras denúncias vieram de uma filmagem às escondidas feita em dezembro pelo Sunday Times, um jornal daqui. Depois, foi um cartola britânico, que em depoimento a uma Comissão Parlamentar de Inquérito, em Londres, disse que recebeu pedidos de suborno quando tentava promover a Inglaterra como sede da Copa de 2018”, lembrou o correspondente.

Silio Boccanera ressaltou que no Reino Unido o escândalo foi tratado com destaque nas primeiras páginas dos jornais e na abertura dos telejornais. E contou que os tablóides chegaram a comparar o presidente da Fifa com um personagem de um famoso seriado sobre a máfia: “Era um assunto praticamente político. De fato, é porque [diz respeito a] relações de poder em uma entidade internacional que envolve mais de 200 países. E, segundo os tablóides britânicos, famosos por suas manchetes exageradas, Joseph Blatter já é chamado aqui de ‘o Tony Soprano do futebol mundial’”.

Mais espaço para o Esporte

No debate ao vivo, Antônio Nascimento disse que o leitor do caderno de Esportes não é “um leitor de segunda divisão” e destacou que, no jornal O Globo, os “assuntos sérios” do mundo do futebol não são cobertos apenas pela editoria de Esportes – estão presentes também em Economia e Política. “Agora, não dá para achar que tem uma ‘senhora’ crise na Fifa, talvez a maior na história da Fifa, e isso vá para as páginas de Internacional. Esporte hoje, no Brasil, é, em todos os sentidos, inclusive jornalisticamente, uma coisa muito séria”, explicou o jornalista. Na avaliação de Nascimento, a reestruturação da área de Esporte para os eventos programados para 2014 e 2016 está ocorrendo em ritmo lento. O ideal seria reforçar o setor com profissionais de outras áreas: “Eu preciso de um repórter que possa ficar fazendo uma pesquisa por dois meses e sumir da minha redação”.

Marcos Augusto Gonçalves acredita que se o noticiário sobre corrupção no Esporte fosse coberto também pela editoria de Política poderia ter “um pouco mais de atenção”, mas ponderou que é otimismo achar que essa alteração seja capaz de despertar um grande interesse e provocar mudanças concretas. “A gente sabe que mesmo na política há muita corrupção, muitos casos obscuros que a imprensa menciona e muitas vezes desiste, não leva à frente”, avaliou o jornalista. Marcos Augusto destacou que neste momento de preparação para a Copa do Mundo e para os Jogos Olímpicos, as editorias de Esporte merecem mais atenção da direção dos jornais e poderiam ganhar mais espaço. O jornalismo de entretenimento deveria conviver com um jornalismo atento e perseverante que acompanhe as nebulosas questões dos bastidores do esporte.

Na avaliação de Marcos Augusto Gonçalves, o interesse em investir na publicação de reportagens ou colunas sobre os bastidores do esporte deve partir da direção de redação dos jornais. O jornalista lembrou que em um grande veículo de comunicação há uma hierarquia de temas que diminui as chances de assuntos ligados aos bastidores do Esporte ganharem destaque no noticiário. “O público do Esporte não configura uma opinião pública que repercuta este tipo de assunto. Se você pega um jogador enchendo a cara em um baile funk, isso repercute dez vezes mais do que se você pega um dirigente – que na cabeça do torcedor já não é muito confiável – em uma situação de corrupção”, assegurou o jornalista. Outro ponto importante nesta questão, segundo ele, é interferência de interesses financeiros das empresas de comunicação na atuação dos profissionais da redação. Um exemplo é a compra dos direitos de transmissão de um campeonato de futebol, que pode influir na cobertura do evento.

Sociedade cega

Para Walter de Mattos Jr. não há garantia de que os delitos na alta cúpula do esporte sejam punidos caso a cobertura migre para as páginas de Política. Para ele, , há um “cinismo” da sociedade, que ignora as sequências de “delitos gravíssimos” envolvendo a administração da CBF e permanece passiva diante do noticiário. “Esse escândalo do Ricardo Teixeira, que mereceu uma repercussão muito pequena, não muda uma relação que é da maior importância para a sociedade brasileira. É isso que me intriga muito. Nós somos um país que vai sediar a Copa e as Olimpíadas. Nunca se fez uma Olimpíada, na história, em que o presidente do Comitê Organizador fosse presidente do Comitê Olímpico – e, aqui, é o caso. Não tem governança nenhuma de controle em cima disso”, criticou o presidente o Lance! .

Walter de Mattos comentou uma frase de Joseph Blatter sobre a crise na Fifa: “Nós vamos resolver isso em família”. “Essa ‘família’ funciona no Comitê Olímpico Internacional (COI), funciona na CBF, na Fifa. As instituições que estão por baixo são parte desta ‘família’, elas funcionam também no mesmo modelo. Você pega uma entidade brasileira e ela tem os seus afiliados. E eles todos precisam beijar a mão daquele capo que está lá em cima”, lamentou Walter de Mattos. Para o presidente do Lance!, é preciso refundar a questão do esporte. Hoje, o esporte envolve altas somas de dinheiro, mas os modelos usados na administração são praticamente os mesmos do passado, quando a importância do esporte na sociedade era apenas simbólica.

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Sob o império da impunidade

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV exibido em 7/6/2011

A impunidade está em vantagem no mundo esportivo brasileiro porque os ilícitos são denunciados nas páginas de Esporte. Com o mesmo destaque, porém nas páginas frequentadas por políticos e empresários, este noticiário já teria incriminado muita gente e os escândalos não se repetiriam com tanta freqüencia.

A importância de uma notícia depende basicamente da repercussão que provoca. Os leitores dos cadernos esportivos são em sua maioria torcedores apaixonados e torcedores apaixonados estão preocupados com o que se passa ou vai passar nos gramados e quadras. As malfeitorias no futebol ficam geralmente impunes, embora denunciadas com veemência e galhardia por alguns ases do nosso jornalismo esportivo, porque aqueles que decidem não dão a devida atenção ao noticiário esportivo e talvez nem cheguem até ele ao folhear o jornal.

Os últimos escândalos envolvendo a Fifa, seu presidente Joseph Blatter e a compra de sedes para as próximas Copas do Mundo ganharam uma surpreendente reverberação porque foram denunciados em páginas ditas “nobres” de prestigiosos veículos como o Economist, a BBC, o Wall Street Journal e o El País.

No Brasil, as denúncias foram parar na primeira página do Valor Econômico e, em seguida, na emérita página 2 da Folha de S.Paulo porque o seu principal colunista, Clóvis Rossi, considerou-a tão importante quanto as denúncias contra o ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palloci.

A eleição para a presidência da Fifa não foi adiada e o seu eterno presidente, Joseph Blatter, foi mantido no cargo. Em parte porque seu principal opositor, a Inglaterra, também estava sob suspeição.

No caso da próxima Copa e da Olímpiada de 2016, convém não esquecer que as obras interessam a toda a sociedade, já não se trata de convocar este ou aquele técnico ou atleta, está em jogo o placar nacional contra a corrupção. De qualquer forma, está desvendada a arma secreta capaz de enquadrar cartolas nacionais e internacionais. Basta derrubar o muro que impede os escândalos esportivos de chegarem às páginas “nobres” como fez Clóvis Rossi com muita coragem. Fonte

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